sábado, 2 de janeiro de 2010

Uma visão do Natal, de Davig Lodge

David Lodge pode não ser um escritor de renome mundial ou um génio da criação literária. A sua construção romanesca é convencional, o seu estilo comum e a sua voz própria banal. Não estamos em presença de um criador da estirpe de um James Joyce, de um Lobo Antunes, ou mesmo de um José Saramago. Os seus romances lêem-se do princípio ao fim sem dificuldades semânticas ou engulhos sintácticos. Não requerem capacidades exegéticas excepcionais nem competências desconstrutivas ímpares. Contam uma história linear com a qual qualquer mortal se pode identificar. Cumprem aquilo que de essencial define o romance: uma intriga que se prolonga no tempo. Por isso se lêem-se de uma assentada. Para além disso, as histórias são narradas com inteligência e perfumadas com a subtil ironia britânica que nos deixa bem dispostos. E as personagens, ainda que não sejam dotados de intensidade dramática, reflectem situações do quotidiano e uma mente - expressam sentimentos e pensamentos - que facilmente convidam à identificação do leitor. Um excerto extraído do seu mais recente romance "A vida em surdina" testemunha isso mesmo:
"4 de Dezembro. Oh, como eu detesto o Natal! E não é só a data em si, mas também a própria ideia de que o Natal se aproxima, que nos é impingida cada vez mais cedo a cada ano que passa. Há semanas que um corredor inteiro do Sainsbury's foi reservado para as decorações de Natal, papel de embrulho de Natal, crackers, guardanapos de Natal, Pais Natal de gesso, renas de plástico e prendas de design horroroso e utilidade duvidosa, a maior parte delas fabricada na China não-cristã. (...)
Qual é a explicação para esta praga do Natal que brota em toda a parte? Quando eu era miúdo, o dia de Natal era feriado e depois a vida voltava ao normal, mas agora o Natal prolonga-se sem interrupções até ao fim do ano, uma festividade ainda mais sem sentido, o que significa que o país inteiro fica paralisado durante pelo menos dez dias, estupidificado por ter bebido demais, dispéctico por ter comido demais, falido por ter gasto demais em prendas inúteis, entediado e irritadiço por ter estado trancado em casa com familiares chatos e crianças rabugentas, e com os olhos com a forma do écran de tanto ver filmes antigos na televisão. É a pior altura do ano para se ter umas férias prolongadas à força, sendo as condições metereológicas mais tristes do que nunca e estando as horas de luz solar reduzidas ao mínimo. O Scrooge é o meu herói - isto é, o incorrigível Scrooge da primeira parte de 'Um Conto de Natal'. 'Pff, que disparate!' Ele tinha toda a razão. que pena ele ter mudado de ideias."